DADOS DO FERMI FORNECEM NOVAS PISTAS DE MATÉRIA ESCURA
À esquerda temos um mapa de raios-gama com energias entre 1 e 3,16 GeV detectados no Centro Galáctico pelo LAT do Fermi; o vermelho indica o número maior. Encontram-se identificados proemientes pulsares Ao remover todas as fontes conhecidas de raios-gama (direita), é revelado o excesso de emissão que pode surgir de aniquilações de matéria escura. Crédito: T. Linden, Universidade de Chicago
Um novo estudo de radiação gama a partir do centro da nossa Galáxia constitui o caso mais forte, até à data, de que parte desta emissão pode surgir de matéria escura, uma substância desconhecida que compõe a maior parte do Universo material. Usando dados publicamente disponíveis do Telescópio Espacial Fermi, cientistas do Fermilab (Fermi National Accelerator Laboratory), do Centro Harvard-Smithsonian para Astrofísica (CfA), do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e da Universidade de Chicago, desenvolveram novos mapas que mostram que o Centro Galáctico produz mais raios-gama de alta energia do que podem ser explicados por fontes conhecidas e que este excesso de emissões é consistente com certas formas de matéria escura.
"Os novos mapas permitem-nos analisar o excesso e testar se explicações mais convencionais, tais como a presença de pulsares não descobertos ou colisões de raios cósmicos em nuvens de gás, poderão ser responsáveis," realça Dan Hooper, astrofísico do Fermilab em Batavia, no estado americano do Illinois, autor principal do estudo. "O sinal que encontrámos não pode ser explicado pelas alternativas actualmente propostas e está em forte concordância com as previsões de modelos muito simples da matéria escura."
O Centro Galáctico está repleto de fontes raios-gama, desde sistemas binários em interacção e pulsares isolados até remanescentes de supernovas e partículas que colidem com o gás interestelar. É também onde os astrónomos esperam encontrar a densidade mais alta de matéria escura, que só afecta a matéria normal e a radiação através da sua gravidade. Grandes quantidades de matéria escura atraem matéria normal, formando uma base sobre a qual as estruturas visíveis, como galáxias, são construídas.
Ninguém sabe a verdadeira natureza da matéria escura, mas os WIMPs (Weakly Interacting Massive Particles) representam a classe mais forte de candidatos. Os teóricos têm imaginado uma ampla gama de tipos de WIMPs, alguns dos quais podem ou aniquilar-se mutualmente ou produzir uma partícula intermediária e que se deteriora rapidamente quando colidem. Ambas as ideias terminam na produção de raios-gama - a forma mais energética de luz - em energias dentro da faixa de detecção do instrumento LAT (Large Area Telescope) do Fermi.
Quando os astrónomos subtraem cuidadosamente todas as fontes de raios-gama conhecidas a partir das observações do Centro Galáctico pelo LAT, permanece uma mancha de emissão. Este excesso aparece mais proeminente em energias entre 1 e 3 mil milhões de electrões-volt (GeV) - cerca de mil milhões de vezes maior que a luz visível - e estende-se para fora, pelo menos, 5000 anos-luz a partir do Centro Galáctico.
Hooper e colegas concluem que as aniquilações de partículas de matéria escura com uma massa entre 31 e 40 GeV fornecem um ajuste notável para este excesso com base no seu espectro de raios-gama, na sua simetria em torno do Centro Galáctico e no seu brilho total. Num artigo submetido à revista Physical Review D, os investigadores dizem que estas características são difíceis de conciliar com outras explicações propostas até agora, apesar de realçarem que alternativas plausíveis que não requerem matéria escura podem ainda materializar-se.
"A matéria escura nesta faixa de massa pode ser estudada por detecção directa e pelo LHC (Large Hadron Collider), por isso, se esta é a matéria escura, já estamos aprendendo mais sobre as suas interacções a partir da falta de detecção até agora," afirma a co-autora Tracy Slatyer, física teórica do MIT em Cambridge, Massachusetts. "Este é um sinal muito emocionante, e embora o caso ainda não esteja terminado, no futuro poderemos olhar para trás e dizer que foi aqui que vimos pela primeira vez a aniquilação de matéria escura."
Os cientistas advertem que serão necessárias várias observações - noutros objectos astronómicos, no LHC ou em algumas das experiências de detecção directa sendo realizadas em todo o mundo - para validar a sua interpretação de matéria escura.
"O nosso caso é muito parecido a um argumento de processo por eliminação. Fizemos uma lista, riscámos coisas que não davam certo, e sobra-nos a matéria escura," comenta o co-autor Douglas Finkbeiner, professor de astronomia e física no CfA, também em Cambridge.
"Este estudo é um exemplo de técnicas inovadoras aplicadas aos dados do Fermi pela comunidade científica," realça Peter Michelson, professor de física da Universidade de Stanford na Califórnia e investigador principal do LAT. "A colaboração Fermi LAT continua a examinar a região central e extraordinariamente complexa da Via Láctea, mas até que este estudo fique completo não podemos confirmar nem refutar esta análise interessante."
Apesar de se pensar que a grande quantidade de matéria escura esperada no Centro Galáctico produz um sinal forte, a concorrência de muitas outras fontes de raios-gama complicam qualquer caso para uma detecção. Mas ao virar o problema de cabeça para baixo, proporciona-nos uma outra maneira de o atacar. Em vez de olhar para a maior colecção de matéria escura vizinha, observemos onde o sinal tem menos desafios.
As galáxias anãs em órbita da Via Láctea não têm outros tipos de emissores de raios-gama e contêm grandes quantidades de matéria escura tendo em conta o seu tamanho - de facto, são as fontes conhecidas mais dominadas pela matéria escura. Mas há um senão. Dado que ficam muito mais longe e contêm muito menos matéria escura total do que o centro da Via Láctea, as galáxias anãs produzem um sinal muito mais fraco e requerem anos de observações em ordem a estabelecer uma detecção segura.
Nos últimos quatro anos, a equipa do LAT tem estudado galáxias anãs em busca de pistas de matéria escura. Os resultados publicados destes estudos estabeleceram limites rigorosos sobre os intervalos de massa e sobre as taxas de interacção para muitos WIMPs propostos, até eliminando alguns modelos. Na maioria dos resultados mais recentes do estudo, publicados a 11 de Fevereiro na Physical Review D, a equipa do Fermi tomou conhecimento de um excesso de raios-gama, pequeno mas provocante.
"Existe cerca de uma hipótese em 12 de que o que estamos vendo nas galáxias anãs nem é um sinal, apenas uma flutuação no fundo de raios-gama," explica Elliott Bloom, membro da colaboração LAT no Instituto Kavli para Astrofísica de Partículas e Cosmologia. A ser real, o sinal deverá ficar mais forte à medida que o Fermi recolhe mais observações durante os anos que se seguem e à medida que os estudos astronómicos descobrem novas anãs. "Se nós, em última análise, observarmos um sinal significativo," acrescenta, "poderá ser uma confirmação muito forte do sinal de matéria escura postulado no Centro Galáctico."
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